Antigamente cético em relação às criptomoedas, Trump estava prestes a falar no sábado para apoiadores do bitcoin cujo apoio — e cheques de campanha — ele passou a cobiçar.
NASHVILLE — Havia pilhas de moedas laranjas, um carro de corrida temático de criptomoedas e uma infinidade de miniaturas de foguetes destinadas a simbolizar a esperança de que os preços pudessem "ir para a lua".
Mas os adereços habituais acompanharam uma visão mais política na conferência anual que se autodenomina a maior reunião mundial de entusiastas do bitcoin: chapéus vermelhos com a frase “Make Bitcoin Great Again”.
Muitas das principais empresas de criptomoedas do país, executivos, investidores e fanáticos estão começando a se unir em torno do ex-presidente Donald Trump, na esperança de que seu apoio público — e cheques de campanha cada vez mais generosos — possam atrair e eleger um candidato presidencial que poupará a indústria da regulamentação federal.
Sob o governo do presidente Biden, o governo dos EUA tem reprimido agressivamente as criptomoedas, buscando proteger os americanos comuns de golpes e impedir que os tokens, amplamente anônimos, facilitem atividades ilícitas. Mas a intensa fiscalização irritou os defensores das criptomoedas e enfureceu os ricos benfeitores políticos do Vale do Silício. Para evitar novas investigações federais, proteções ambientais e regulamentações financeiras, eles se aproximaram de Trump — mesmo que nem sempre gostem dele — na esperança de que ele traga alívio em Washington.
“Eu acho que o que as pessoas estão animadas é que, se Trump entrar com um novo círculo, e membros do gabinete, e pessoas, isso vai mudar, e mudar para melhor”, disse Marshall Beard, diretor de operações da Gemini, uma plataforma de negociação de criptomoedas e serviços bancários. Ele se descreveu como apolítico, mas os fundadores de sua empresa, os investidores bilionários Tyler e Cameron Winklevoss, doaram generosamente em apoio a Trump.
Trump aceitou de bom grado as súplicas: agora inundado de dinheiro de criptomoedas, ele celebrou o bitcoin e outros tokens digitais, marcando uma mudança em relação ao seu tempo no cargo, quando Trump proclamou que não era "fã" do bitcoin e ligou tais ativos à venda de drogas. O aumento inicial no apoio financeiro preocupou alguns democratas, que correram para mostrar que não são hostis à indústria.
A conversão de Trump estará em plena exibição no sábado, quando ele falar diretamente aos milhares de proprietários, comerciantes e investidores de bitcoin que este ano desceram sobre Nashville. Muitos dos presentes esperam que o ex-presidente anuncie que quer que o governo dos EUA estoque suas próprias reservas da moeda, uma ideia radical que deve fazer o preço do bitcoin disparar — apenas algumas horas depois de Trump realizar uma arrecadação de fundos de alto valor com a elite cripto do país.
Mesmo antes de Trump chegar, havia indícios de crescente apoio em todo o extenso Music City Center. Uma dispersão de chapéus “Make Bitcoin Great Again” — alguns no laranja do bitcoin — pontuava as filas de estandes onde os empreendedores de criptomoedas promoviam novos tokens, dicas de investimento e “estratégias de evasão fiscal”, nas palavras de uma empresa, que estacionou perto de seu quiosque uma motocicleta rubi-vermelha adornada com o slogan de Trump. (Os funcionários do estande se recusaram a ser entrevistados.)
Lá fora, um caminhão com um painel digital circulava periodicamente, exibindo fotos de Trump e seu novo companheiro de chapa, o senador JD Vance (R-Ohio), um defensor de longa data das criptomoedas que relatou possuir até US$ 250.000 em bitcoin. O veículo promovia aos transeuntes o “MAGA VP”, um tipo de “memecoin” — não afiliado à campanha — que visa ajudar os apoiadores mais fervorosos do ex-presidente a ganhar dinheiro. A promoção prometia que clientes que comprassem US$ 50 do token ganhariam um “prêmio especial”.
“Nesta festa, hoje, parece que há uma inclinação para Trump, e acho que é uma apreciação pelo primeiro grande candidato presidencial a surgir e dizer que isso pode realmente ser uma boa ideia”, disse Mike Belshe, diretor executivo da BitGo, que oferece um serviço de carteira de criptomoedas. Ele planeja realizar uma arrecadação de fundos na próxima semana para Vance em Palo Alto, Califórnia, de acordo com um convite obtido pelo The Washington Post.
O apoio a Trump destacou o rápido despertar político em andamento na indústria de criptomoedas. Feridos por uma série de grandes escândalos — e enfrentando a perspectiva de uma regulamentação rigorosa em Washington — empresas de criptomoedas, executivos e investidores desembolsaram US$ 121 milhões nesta eleição na tentativa de derrotar potenciais inimigos e eleger novos amigos em Washington, de acordo com o grupo de vigilância sobre o dinheiro na política OpenSecrets.
“Vimos dezenas de milhões de dólares entrando, em uma tentativa de garantir que políticos anti-regulação sejam os que assumam o poder”, disse Lisa Gilbert, copresidente do Public Citizen, um grupo de vigilância de esquerda.
Para muitos magnatas das criptomoedas, o catalisador para a ação veio há dois anos, após a queda da FTX, anteriormente o terceiro maior mercado de criptomoedas do mundo. Muitos democratas, incluindo a senadora Elizabeth Warren (Mass.), imediatamente exigiram novas regras rigorosas, enquanto a Comissão de Valores Mobiliários, liderada pelo presidente Gary Gensler, apresentou uma série de processos alegando que as empresas de criptomoedas mais conhecidas não seguiram as proteções federais básicas para investidores.
Frequentemente, os alvos do escrutínio da SEC — incluindo a Coinbase, um mercado de ativos digitais, e a Ripple, que criou o popular token XRP — criticaram os casos como evidências do viés de Gensler contra a indústria. Eles combinaram suas batalhas judiciais com uma campanha de lobby cara destinada a neutralizar a SEC e evitar outras regulamentações, incluindo regras destinadas a impedir que grupos terroristas trafiquem em criptomoedas. E executivos e investidores de criptomoedas começaram a despejar dinheiro na eleição de 2024, lançando três super PACs que veicularam anúncios direcionados a candidatos ao Congresso que se opõem às moedas digitais.
Este ano, David Bailey — diretor executivo da BTC Inc., que organizou a conferência em Nashville — abordou pessoalmente Trump na esperança de que ele pudesse reverter suas opiniões sobre criptomoedas. Grandes doadores do Vale do Silício, incluindo os investidores David Sacks e Chamath Palihapitiya, organizaram arrecadações de fundos lucrativas para o ex-presidente em junho. Elon Musk, um entusiasta das criptomoedas e proprietário da X, anteriormente Twitter, endossou Trump após a tentativa de assassinato em Butler, Pensilvânia, em 13 de julho; a dupla de capitalistas de risco Marc Andreessen e Ben Horowitz logo revelou seu apoio também.
Com cada cheque e endosso, Trump parecia ficar mais receptivo. Em sua rede social, Truth Social, ele se descreveu em maio como “MUITO POSITIVO E ABERTO A EMPRESAS DE CRIPTOMOEDAS”. Dois meses depois, ele promoveu as criptomoedas como parte oficial da plataforma do Partido Republicano para 2024, que declarou que o partido “acabará com a repressão ilegal e antiamericana dos democratas às criptomoedas”.
“Se há um político que vê o potencial da indústria e quer que ela prospere, geralmente os eleitores e as doações vão nessa direção”, disse Brian Morgenstern, que supervisiona políticas para a gigante das criptomoedas Riot Platforms.
A Riot é uma mineradora de bitcoin: ela administra as vastas e intensivas máquinas de energia que executam cálculos complexos para gerar tokens individuais. A indústria tem travado uma guerra com o governo Biden, e a Riot processou com sucesso o Departamento de Energia depois que ele exigiu que os mineradores de bitcoin entregassem dados sobre seu uso de energia.
Executivos da Riot e de outras empresas apelaram diretamente a Trump em junho, que lhes disse “entender claramente por que as pessoas estão procurando alternativas aos sistemas financeiros tradicionais”, lembrou Morgenstern em Nashville esta semana. Morgenstern serviu sob Trump no Departamento do Tesouro, na época em que o então presidente era crítico em relação às criptomoedas.
Após a reunião, Trump comemorou o encontro no Truth Social: “VOTE EM TRUMP!” ele começou. “O ódio de Biden ao bitcoin só ajuda a China, a Rússia e a esquerda comunista radical. Queremos que todo o bitcoin restante seja FEITO NOS EUA!!!”
Apesar de sua oposição anterior, alguns devotos das criptomoedas pareciam acolher a atenção de Trump.
Em um estande de exposição não tripulado na sexta-feira, a imagem de um Trump ensanguentado levantando o punho após a tentativa de assassinato foi alterada para que ele aparecesse segurando um bitcoin. Curiosos pararam para tirar fotos da ilustração giratória, que foi sobreposta ao logotipo usual do foguete da Moonshot, uma empresa que fabrica componentes-chave para a mineração de bitcoin.
“Espero que estejamos começando a ver os ventos mudarem nos Estados Unidos e, talvez, obteremos alguma mudança com um novo presidente”, refletiu Ray Kamrath, diretor comercial da Bakkt, um provedor de infraestrutura de blockchain, enquanto comprava uma camiseta com um foguete da Moonshot.
Poucos passos à frente, um motorista que se identificou como Jay — ele se recusou a fornecer seu nome completo para manter sua identidade "em segredo" — disse que se preparava para participar do evento de arrecadação de fundos mais tarde naquele dia. “Os adversários políticos de Trump continuarão chamando a atenção para sua tentativa de assassinato”, lamentou ele. “Eles não entendem como os milhões de investidores em bitcoin neste país — muitos dos quais são investidores do varejo e não fazendeiros de alto valor — podem ser os eleitores de swing que fazem a diferença em um estado-chave.”
Apesar da desconfiança de longa data de alguns sobre o líder republicano, alguns líderes empresariais da indústria de criptomoedas ainda expressaram otimismo cauteloso sobre a perspectiva de uma presidência mais amigável às criptomoedas.
“O valor do bitcoin ainda é um ponto de discórdia”, disse Kamrath. “Mas acho que estamos prontos para ver uma mudança na mentalidade da classe política e, talvez, na política regulatória do governo.”